segunda-feira, 8 de outubro de 2007

História dos Sete Prodígios

Nunca houve mulher tão difícil nem homem mais mago entre a boca do rio Amazonas e a Bahia de Todos os Santos.
Sete prodígios teve que cumprir José para ganhar os favores de Maria.

O pai de Maria disse:
-É um morto de fome.
Então José abriu em pleno ar uma toalha de rendas, feita por mão de ninguém, e ordenou:
- Ponha-se mesa.
E um banquete de muitas travessas fumegantes foi servido por ninguém sobre a toalha que flutuava no nada. E aquilo foi uma alegria para as bocas de todos.
Mas Maria não comeu nem um grão de arroz.

O
rico do lugar, senhor de terra e de gente, disse:
-É um pobretão de merda.
Então José chamou sua cabra, que chegou pilando de lugar nenhum, e ordenou:
- Cague, cabra.
E a cabra cagou ouro. E houve ouro para as mãos de todos.
Mas Maria virou as costas para o fulgor.

O noivo de Maria, que era pescador, disse:
- De pesca não entende nada.
Então José, da beira do mar, soprou. Soprou com pulmões que não eram seus pulmões, e ordenou:
- Seque mar.
E o mar se retirou, deixando a areia toda prateada de peixes. E os peixes transbordaram das cestas de todos.
Mas Maria tapou o nariz.

O finado marido de Maria, que era um fantasma de fogo, disse:
- Vou fazê-lo virar carvão.
E as chamas atacaram José por todos os lados.
Então José ordenou, com voz que não era sua voz:
- Fogo, me refresque.
E se banhou na fogueira. E todo mundo ficou de olho arregalado.
Mas Maria fechou as pálpebras.

O padre do lugar disse:
- Merece o inferno.
E declarou José culpado de bruxaria e de pacto com o demônio.
Então José agarrou o padre pelo pescoço e ordenou:
- Estique-se braço.
E o braço de José, que já não era mais seu braço, levou o padre para os ardentes abismos do universo. E todos ficaram com a boca aberta.
Mas Maria gritou de horror. E, num piscar de olhos, o longuíssimo braço trouxe de volta o padre chamuscado.

O policial disse:
- Merece cadeia.
E partiu para cima de José, cassetete na mão.
Então José ordenou:
- Bata, cassetete.
E o cassetete do guarda bateu no guarda, que saiu correndo, perseguido por sua própria arma, se sumiu de vista. E todos riram. E Maria também.
E Maria ofereceu a José uma folha de louro e uma rosa branca.

O juiz disse:
- Merece morrer.
E José foi condenado por desacato, violação do direito de propriedade do pai sobre a filha e do morto sobre a viúva, atentado contra a ordem, agressão à autoridade e tentativa de padrecídio.
E o carrasco ergueu o machado sobre o pescoço de José, que estava com mãos e pés amarrados.
Então José ordenou:
- Agüente, pescoço.
E o machado desceu, e o pescoço o despedaçou.
E foi uma festa para todos. E todos celebraram a humilhação da lei humana e a derrota da lei divina.

E Maria ofereceu a José um pedaço de queijo e uma rosa vermelha.
E José, vencedor despido, vencedor vencido, sentiu seus joelhos tremerem.

(Eduardo Galeano)