quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Celebração da voz humana

(...) "Quando é verdadeira, quando nasce a necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais".

(Eduardo Galeano)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Chuva Interior

Quando saia de casa
percebeu que a chuva
soletrava
uma palavra sem nexo
na pedra da calçada.
Não percebeu
que percebia
que a chuva que chovia
não chovia
na rua por onde
andava.
Era a chuva
que trazia
de dentro de sua casa;
era a chuva
que molhava
o seu silêncio
molhado
na pedra que carregava.
Um silêncio
feito mina,
explosivo sem palavra,
quase um fio de conversa
no seu nexo de rotina
em cada esquina
que dobrava.
Fora de casa,
seco na calçada,
percebeu que percebia
no auge de sua raiva
que a chuva não mais chovia
nas águas que imaginava.

De: Mário Chamie

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

(...)Um dia eu me olharei no espelho e notarei que meus cabelos começam a embranquecer e pela primeira vez terei consciência de estar vivendo neste pequeno hotel sob um nome falso, sem amigos ou conhecidos de qualquer tipo por vinte e cinco anos. Isto vai me surpreender um pouco, mas não me incomodará nem um pouco.

Eu ficarei contente que o tempo tenha passado tão facilmente assim. De vez em quando eu talvez vá ao cinema. Sentarei nas filas de trás, com toda a escuridão ao meu redor e, ficarei sentada com pessoas imóveis ao meu lado sem tomarem conhecimento da minha presença. Olhando a tela. Pessoas imaginárias. Pessoas das estórias. Lerei grandes livros e diários de escritores mortos.

Eu me sentirei mais próxima deles do que das pessoas que conheci antes de ter me retirado do mundo. Esta minha amizade com poetas mortos será doce e refrescante, porque não terei que tocá-los ou responder suas perguntas. Eles falarão comigo sem esperar minhas respostas. E ficarei sonolenta ouvindo suas vozes explicando os mistérios para mim.

Dormirei com o livro ainda entre os dedos, e choverá. Acordarei e ouvirei a chuva e tornarei a dormir. Uma estação de chuva, chuva, chuva... Então um dia, quando tiver fechado um livro ou voltado sozinha do cinema para casa às onze horas da noite... Olharei no espelho e verei que o meu cabelo ficou branco. Branco, completamente branco. Tão branco quanto a espuma das ondas.

Passarei as mãos pelo meu corpo e sentirei o quanto fiquei leve e magra. Oh, como estarei magra. Quase transparente. Quase irreal. Então compreenderei, saberei, de modo vago, que estava morando neste pequeno hotel, sem nenhuma relação social, responsabilidade, ansiedades ou perturbações de qualquer tipo – por quase cinqüenta anos. Meio século. Praticamente uma vida inteira. Nem sequer me lembrarei dos nomes das pessoas que conhecia antes de vir para cá nem da sensação de ser alguém esperando por alguém que...talvez não venha...

Então saberei – olhando no espelho – que pela primeira vez chegou o momento de andar sozinha mais uma vez na calçada com o vento forte batendo em mim, o vento limpo e branco que vem do princípio do mundo, ainda mais além do que isto, vem do princípio do espaço, ainda mais além do que qualquer coisa que haja além do princípio do espaço... Então sairei e andarei pela calçada. Andarei sozinha e serei empurrada pelo vento e ficarei pequenina, pequenina. (...)

- “Fala Comigo doce como a chuva”
de: Tennessee Williams

História dos Sete Prodígios

Nunca houve mulher tão difícil nem homem mais mago entre a boca do rio Amazonas e a Bahia de Todos os Santos.
Sete prodígios teve que cumprir José para ganhar os favores de Maria.

O pai de Maria disse:
-É um morto de fome.
Então José abriu em pleno ar uma toalha de rendas, feita por mão de ninguém, e ordenou:
- Ponha-se mesa.
E um banquete de muitas travessas fumegantes foi servido por ninguém sobre a toalha que flutuava no nada. E aquilo foi uma alegria para as bocas de todos.
Mas Maria não comeu nem um grão de arroz.

O
rico do lugar, senhor de terra e de gente, disse:
-É um pobretão de merda.
Então José chamou sua cabra, que chegou pilando de lugar nenhum, e ordenou:
- Cague, cabra.
E a cabra cagou ouro. E houve ouro para as mãos de todos.
Mas Maria virou as costas para o fulgor.

O noivo de Maria, que era pescador, disse:
- De pesca não entende nada.
Então José, da beira do mar, soprou. Soprou com pulmões que não eram seus pulmões, e ordenou:
- Seque mar.
E o mar se retirou, deixando a areia toda prateada de peixes. E os peixes transbordaram das cestas de todos.
Mas Maria tapou o nariz.

O finado marido de Maria, que era um fantasma de fogo, disse:
- Vou fazê-lo virar carvão.
E as chamas atacaram José por todos os lados.
Então José ordenou, com voz que não era sua voz:
- Fogo, me refresque.
E se banhou na fogueira. E todo mundo ficou de olho arregalado.
Mas Maria fechou as pálpebras.

O padre do lugar disse:
- Merece o inferno.
E declarou José culpado de bruxaria e de pacto com o demônio.
Então José agarrou o padre pelo pescoço e ordenou:
- Estique-se braço.
E o braço de José, que já não era mais seu braço, levou o padre para os ardentes abismos do universo. E todos ficaram com a boca aberta.
Mas Maria gritou de horror. E, num piscar de olhos, o longuíssimo braço trouxe de volta o padre chamuscado.

O policial disse:
- Merece cadeia.
E partiu para cima de José, cassetete na mão.
Então José ordenou:
- Bata, cassetete.
E o cassetete do guarda bateu no guarda, que saiu correndo, perseguido por sua própria arma, se sumiu de vista. E todos riram. E Maria também.
E Maria ofereceu a José uma folha de louro e uma rosa branca.

O juiz disse:
- Merece morrer.
E José foi condenado por desacato, violação do direito de propriedade do pai sobre a filha e do morto sobre a viúva, atentado contra a ordem, agressão à autoridade e tentativa de padrecídio.
E o carrasco ergueu o machado sobre o pescoço de José, que estava com mãos e pés amarrados.
Então José ordenou:
- Agüente, pescoço.
E o machado desceu, e o pescoço o despedaçou.
E foi uma festa para todos. E todos celebraram a humilhação da lei humana e a derrota da lei divina.

E Maria ofereceu a José um pedaço de queijo e uma rosa vermelha.
E José, vencedor despido, vencedor vencido, sentiu seus joelhos tremerem.

(Eduardo Galeano)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

olhos

Minhas vistas estão turvas e embaçadas. Não consigo enxergar o que está gritando diante de meus olhos. Ou não quero?
As pálpebras doem, os olhos querem ficar fechados.
Preciso abri-los. Preciso olhar, mas com outros olhos. Não mais com estes que estão doentes, que estão cansados e infelizes.
Sinto-me do avesso. Como um vestido colocado às pressas.
É isso, meus olhos estão do avesso.
Tenho que voltar a enxergar, antes que fique cega...
(Lia Iksonaj)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

1 dose de melancolia

Esta noite sonhei que caminhava sobre as nuvens, mas sentia um medo enorme de cair...
despencar lá do alto, e desaguar como chuva forte de verão...


...se quiser, chove na minha horta que faço a colheita com carinho... chove, chove tudo, deságua, inunda, esgota os líquidos, toda a reserva... e seca, resseca, enrruga, encolhe, diminui o tamanho, quase some... e prepara espaço, reserva o reservatório para inundarmos de novo...

porque vai chover, já está chovendo,

inundando as ruas, as vilas, os becos, as casas, os corpos e os corações...

chove, teima em chover, chuva fina, grossa, garoa com neblina, embaralhando o enxergar.

tremem passos sobre poças, enxurradas que encharcam botas, fazem difícil o navegar.

relampejam corpos pelas ruas e o medo afável pelos becos, enquanto chafarizes chovem pra cima molhando o céu.

no sereno mudo das vilas antigas, fincam eternas as marcas no chão, de desejo e segredo dos corações sob o véu.

chove a chuva dos olhos, escorrem pelas pupilas, deslizam pelos cílios, passando pelo rosto e caindo no peito. deságua. encharca. inunda.

chove a chuva que limpa a dor do coração, passando pela pele, adentrando as vísceras, sugando até a última gota se sangue. queima. arde, é profunda...

chove a chuva da alma. viva, eterna, pulsante. Trovões gritam na mente, enquanto a Lua despe-se das nuvens vagarosamente. quem imaginaria...

depois da tempestade, eis que vêm a tal calmaria...


P.P. e D.J.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Abraço

Ele: estou meio estranho hoje... ando meio sem saber para onde ir...

Ela: somos dois, rs. não vejo a hora de começar aquele novo trabalho. aí vou me ocupar completamente por 18 dias e não terei tempo de pensar tanto em tantas coisas...

Ele: não sei... às vezes preciso ficar só, mas não só em casa... só no mato, talvez... agora preciso de um abraço... ou então fazer isto, me ocupar para não pensar demais, só que às vezes paro e penso se isto não é uma fuga.

Ela: talvez seja.

Ele: se eu penso, e algo me incomoda, essa coisa poderia me incomodar tanto até que eu tome uma atitude, e se eu simplesmente esqueço, essa oportunidade passa.

Ela: a solidão me deprime muito.

Ele: a mim também.

Ela: o ideal é tomar a atitude. a frustração de uma oportunidade perdida é pior, acho.

Ele: é verdade... sempre é... o problema é quando já se está nessa fase, de oportunidade perdida. é preciso fazer alguma coisa, ou ir atrás do impossível, ou ir atrás de outro caminho.

Ela: eu acho que sempre é tempo de tentar... o pior é ficar na dúvida. a dúvida também consome muito. se não tivermos mais dúvidas, nos entregaremos ou iremos em busca de outro caminho.
o problema são as conseqüências, sempre seremos alvo delas, que podem ser boas ou ruins.

Ele: sim. tudo é conseqüência. agir causa conseqüências. não agir também, mas as conseqüências de quando se age são mais fáceis de aceitar. as outras são resultados de eventos que não temos controle, porque preferimos não assumi-lo.

Ela: sim. é mais fácil arcar com as conseqüências de algo que fizemos de fato porque queríamos ou desejávamos...

Ele: sim.

Ela: se o caso for sofrer, não deixaremos de sofrer, mas estaremos conscientes de que fizemos algo.
é difícil também... acho que estou passando por isso agora...rs

Ele: sim. e as soluções que eu queria para todos os meus problemas parecem ser as mais difíceis.

Ela: talvez precise rever estas soluções ou batalhar por elas por mais difíceis que sejam...
pode ser também uma fase... pode melhorar com a chegada da primavera...rs :-)

Ele: pode ser :-)

Ela: acho que preciso de um abraço agora...

Ele: eu também...


Lia Iksonaj e H.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Primavera

Maria tinha uma pequena flor em seu jardim. Cuidou desde o início com carinho e amor para que ela pudesse tonar-se uma linda flor.
Era apenas um singelo botão quando Maria avistou pela primeira vez José.
Sem explicação sentiu um pequeno frio na espinha.
A partir de então passou a cuidar daquela flor como se fosse José. E algum dia daria à ele como lembrança e para que ele não esquecesse do seu perfume.
Regava todos os dias rigorosamente no mesmo horário. Podava e trocava até mesmo algumas palavras...
Maria e José encontraram-se uma, duas, três... muitas vezes.
Maria se apaixonou por José. Não se lembra exatamente quando tudo começou.
Certo dia levantou-se apressada pois havia perdido a hora de regar a flor e quando chegou ao jardim, deparou-se com uma flor murcha.
Seus olhos ficaram marejados e sentiu uma dor aguda no peito.
José não quer Maria. José pertence ao mundo dos boêmios, dos bichos soltos e notívagos infindáveis.
Maria, sem saber o que fazer, ficou ali olhando para aquela flor caída, murcha, sem forças e alegria, assim como estava seu coração.
Escorreram lágrimas de seus olhos que pingavam de leve sobre as folhagens do jardim e aquela flor que simbolizava a dor da paixão.
Maria ficou inconsolável.
Mas lembrou-se de repente que em breve é primavera, e muitas flores devem chegar, talvez até mais bonitas e alegres do que esta.
Ficou apenas com a saudade que se estende neste fim de inverno.
(Lia Iksonaj)

A acrobata

Luz Marina Acosta era menininha quando descobriu o circo Feruliche.
O circo Feruliche emergiu certa noite, mágico barco de luzes, das profundidades do Lago da Nicarágua. Eram clarins guerreiros as cornetas de papelão dos palhaços e bandeiras altas, os farrapos que ondulavam anunciando a maior festa do mundo.

A lona estava toda cheia de remendos, e também os leões, aposentados leões; mas a lona era um castelo e os leões, os reis da selva. E uma senhora rechonchuda, brilhante de lantejoulas, era a rainha dos céus, balançando nos trapézios a um metro do chão.

Então, Luz Marina deciciu tornar-se acrobata. E saltou de verdade, lá do alto, e em sua primeira acrobacia, aos seis anos de idade, quebrou as costelas.

E assim foi, depois, a vida. Na guerra, longa guerra contra a ditadura de Somonza, e nos amores: sempre voando, sempre quebrando as costelas.
Porque quem entra no circo Feruliche não sai jamais.
(Eduardo Galeano)

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

"O amor cria asas"

Ceix - o honesto rei da Tessália - amava Alcione, sua mulher. Eram dotados de rara beleza e era intensa sua ligação. Mas Ceix vivia perturbado com as misteriosas condições em que morrera seu irmão; e um dia resolveu viajar para um país distante, afim de consultar um oráculo. Alcione se angustia com a distância do marido. Ceix, apanhado por uma tempestade em alto mar, morre afogado.

A poderosa deusa Juno se compadece das súplicas de Alcione pelo retorno de Ceix - e um dia convoca Íris para que peça ao Deus Sono que faça Alcione conhecer a verdade. Morfeu é enviado para contar a Alcione sobre a tragédia. No sonho inspirado pelos deuses, Alcione vê Ceix morto e suplicando por seu amor eterno. Ela acorda desesperada e corre para a praia, onde chora até o amanhecer.

Com o dia claro, Alcione avista uma tábua boiando - e sobre os restos do naufrágio ela percebe o corpo de Ceix. Ela se desespera e corre como louca pelas areias da praia. Apiedados de seu sofrimento, os deuses transformam Alcione em pássaro. Ela voa até Ceix e bica seu corpo morto até devolver-lhe a vida. Juntos eles voam até um rochedo, onde constroem um ninho. Nesse ninho nasceram as primeiras aves do mar.

autoria (?)


Lia Iksonaj

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Sinto

Um grito preso na garganta. Um suspiro. Um instante. Um desejo.
A fé que alimenta nossas almas faz com que acreditemos no que ainda está por vir.
E virá, certamente. Sem grandes pretensões.
Uma inquietação. Um questionamento. Uma obsessão.
Não satisfeita com o caminho percorrido, jogo-me abismo abaixo buscando explicações para o que está explícito apenas no abstrato.
Não encontrando respostas, corro em direção ao desconhecido, vasculho nas veias, nas vísceras, nos olhares. Até encontrar o caminho e por este seguir adiante com apenas uma certeza: o grito não está mais preso. Está saindo por todos os poros, por toda a alma e quer ser ouvido.

O anoitecer, o amanhecer, o entardecer...
Um rito de passagem para o infinto.
Saudade, imensa.
Hoje não estou dando conta de controlar tudo o que está reverberando aqui dentro.
(Lia Iksonaj)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Eternizar

Não vou desejar que dure para sempre. Não vou dizer que preciso deste único acontecimento para continuar a viver. Não tenho a pretensão de fazer disso algo muito maior. Não quero conquistar um lugar de extrema importância no infinito. Não sonho com castelos dourados ou estrelas brilhantes. Apenas queria ter o poder de eternizar um momento único...
(Lia Iksonaj)

terça-feira, 10 de julho de 2007

Raízes

Avô - Sabedoria plantada com carinho em minha memória, o cheiro dos trilhos dos trens que me traziam, abriam os caminhos para a vida.
Avó - A loucura que não era loucura a levou amarrada, internada, sem chances de dizer uma palavra. Luto para me livrar das mesmas amarras que perpassam minha mente.
Pai - Introspecção. Silêncio. A maturidade que vem com o tempo e deixa de lado a agressividade, abrindo as portas para uma compreensão maior da vida.
Mãe - Os filhos perdidos trazem a marca na carne. Eu levo comigo a marca na alma. Do amor mais profundo de sentir, à "única" que sempre deve ser aquela de quem tudo se espera.
(Lia Iksonaj)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Segredo...

(...) Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar.Grande responsabilidade da solidão.
Quanto a mim assumo minha solidão.Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.
Guardo o seu nome em segredo.
Preciso de segredos para viver.”
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Dizer o indizível

Como ela poderia dizer com palavras aquilo que sentia?
Por isso não disse, apenas sentiu. Sentiu com o doer dos olhos e o calor da alma.
Tão agradável estar em boa companhia...
Deixar que as coisas caminhem por si só. A vida é mais agradável com estes pequenos momentos de felicidade que brotam quando menos se espera.
E muitas vezes, as palavras não se fazem necessárias.

(Lia Iksonaj)

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Nostalgia

Parece que a terra se abre e enormes vulcões crescem em meu peito.
Lembro-me do jardim colorido da minha infância, do vestido bordado e cor de laranja, roupa nova para o ano novo! O lenço de cabeça da minha tia Laura, que se foi quando eu ainda era muito pequena, o LP de música antigo, riscado de tanto tocar a mesma música na vitrola velha, o professor de História e o primeiro beijo, o portão branco com lanças afiadas que se abria junto com meu coração para a vida! *Ali, onde o que a memória ama, fica eterno.
(Lia Iksonaj)
* frase de Eduardo Galeano

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Pétala Junina

Parece que colocaram uma lente de aumento dentro de mim, porque sinto tudo maior... todos os medos, todas as angústias, todas as perdas parecem ser maiores do que elas realmente são.
Ambos dilatados em minha alma crescem com espanto.
Todas as sensações, todas as coisas do mundo! O amor também está aqui, como uma flor, uma linda orquídea desabrochada, no auge de sua beleza e de seus desejos. Hoje está particularmente bela. Desejando um lugar ao sol, apenas isso!
(Lia Iksonaj)

terça-feira, 15 de maio de 2007

Beijos na alma

Meu olhar te procura e encontra em você a paz mais bela que pode existir. Seus olhos são às vezes tristes. Às vezes me desejam. Às vezes parecem olhos de um cachorro sem dono pedindo colo e algum carinho. Às vezes são alegres. Às vezes compreensivos. Às vezes amorosos. Às vezes me repreendem. Uma doçura invade meu peito e sinto uma bondade extrema. Uma bondade diferente. Queria te colocar no colo e deixar que o tempo passasse. Apertar você contra meu peito para sentir o meu calor e as batidas do meu coração, minha respiração ofegante e minha pele quente.
A vontade de estar contigo, às vezes é maior do que mim mesma. Acordei feliz porque me lembrei que tenho você para alegrar os meus dias com teu sorriso. A beleza das almas que se encontram.

(Lia Iksonaj)

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Perder-se

Bastou um segundo para que tudo se perdesse. Um segundo e nada mais existe. E estou deixando que se perca um pouco. Sim, estou fazendo isso. Não que seja o meu real desejo, mas digamos que seja necessário. Extremamente necessário. Estou decidida a abrir as mãos e soltar um pássaro. Para que ele voe bem alto pelo céu. E assim eu o perca de vista. Para sempre...a liberdade dos pássaros me assusta e me fascina.
(Lia Iksonaj)

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Paixões Voláteis

Definitivamente, não se pode ter tudo, pensou ela ao deitar-se para dormir naquela noite. Chovia...
Depois de um longo período afastados, finalmente reencontraram-se. Trocaram algumas poucas palavras, sem aprofundar a conversa. Olharam-se discretamente. Foi tão rápido que nem deu tempo de um suspiro!
Por fim, ela despediu-se e saiu com o coração acelerado. Era melhor assim. Ele ficou. Um instante e nada mais. O que estava calmo e adormecido, estremeceu. Pela manhã, novamente chuva. O doce frescor da chuva para acalmar o coração dos suicidas apaixonados. E assim, ela decidiu matar, por fim. Se matar. Matá-lo. Tocava uma canção no rádio, triste e singela, como aquela manhã. Ela correu em direção à sua vida normal de todos os dias. E deixou para trás o que não se pode ter: tudo...
(Lia Iksonaj)

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Deus

Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude! Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando de minha própria força. Sou forte mas também destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido à Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.
(Clarice Lispector - 1968)

Às vezes,

tenho a impressão de que tudo o que sinto não cabe dentro de mim. E dói por dentro, o fato de não ter a capacidade de lidar com tudo isso, com esse turbilhão de sentimentos... Mas, ora bolas, se eu tivesse tal capacidade, não seria eu mesma.
(Lia Iksonaj)

terça-feira, 24 de abril de 2007

Mas há a vida

Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.
(Clarice Lispector – 1971)

Tanto amor

À noite chego em casa e teus olhos me recebem famintos.
Quero dizer algo, mas as palavras não chegam até minha boca. E não há tempo.
Sinto dilacerar a carne quente. Um animal me devora com fúria.
Não há tempo de gritar, nem pedir socorro. E nem pediria... O mundo corre lá fora e para mim, o tempo para.
Sinto-me deusa, mulher, bicho, anjo, puta...

Depois olho para o céu escuro e respiro. Sinto a brisa em meus cabelos. Se eu fumasse, certamente ascenderia um cigarro...
E penso que às vezes, não sei bem o que fazer com tanto amor...
(Lia Iksonaj)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Unhas vermelhas

Ela pintou as unhas com esmalte vermelho, para sentir-se mais atraente, mas nada aconteceu.
E esperou... ela esperava pacientemente...
As horas passavam lentamente.... A espera, às vezes é irritante.
Talvez ela esteja cansada de esperar.
Talvez ela continue pintando as unhas de vermelho.
Porque ela gostou da experiência de sentir-se atraente. E, de agora em diante, não quer mais “esperar”.
(Lia Iksonaj)

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Estamira

Estamira é a figura mais real e verdadeira que já vi até hoje. Todos na vida deveriam conhecê-la. Deveriam aprender com ela. Esta mulher está à frente de muitos seres humanos. Há uma contundência dolorosa em seus discursos. Todos verdadeiros, puros. A sujeira é necessária para purificar. Os poros abertos como crateras para o invisível, que só é invisível aos olhos. É o grande "trocadilho" da vida.
(Lia Iksonaj)
visite o site: www.estamira.com.br

Dizer o que se pensa...

Ela acordou com uma ansiedade incomum, quis telefonar e pensou em dizer: "Vamos nos encontrar logo, estou morrendo de saudades, preciso te ver, olhar nos seus olhos, saber o que você tem feito, o que anda pensando, como está sua vida, sorrir e por fim... te abraçar, te colocar no meu colo, beijar de leve seus lábios... No fundo eu queria te beijar e ser beijada por você, com toda a fúria do desejo que carrego comigo em silêncio. Quanto tempo faz que não nos encontramos? Estamos perdidos nesta cidade. Agora precisamos nos encontrar e talvez não ficaremos mais perdidos. Quero me perder com você". Mas, obviamente, não disse nada disso, nem sequer telefonou.
Se todos realmente dissessem o que pensam, imaginem como seria...
Às vezes nos podamos com as palavras e não dizemos certas coisas, ou para não causar transtornos, ou para não assustar as pessoas, ou simplesmente para disfarçar a realidade. A verdade é que vivemos num mundo de ilusão. Todos estão iludidos, seja pelas inúmeras materialidades ou seja pelos sentimentos equivocados.
Não quero ilusões. Quero realidades. Não quero calmaria. Quero paixões. Não quero a hipocrisia. Quero verdades.
(Lia Iksonaj)

Na rua...

Noite. Uma mãe cobre carinhosamente seu filho com um cobertor velho em algum lugar, na rua. O que dizer para esta criança? Ela diz uma oração cheia de esperança, mas o que fazer com esta esperança num país como este? No que esta criança inocente se tornará? Existe um descaso absurdo entre as pessoas. É mais fácil fingir que não está vendo, que aquilo não é sua responsabilidade, ou simplesmente abstrair e seguir adiante. Enquanto para alguns, o problema é o cara que entrou na frente da vaga no estacionamento do shopping, para outros é conseguir ter uma vida no mínimo digna, ter um teto para morar, um documento de identidade, uma família... triste.
(Lia Iksonaj)

segunda-feira, 26 de março de 2007

Ir além

Ela sentia uma bondade extremamente dolorosa. Sim, era isso. Doía na alma. E ela não sabia bem o que fazer. Uma doce brisa percorre seus cabelos e um choro silencioso aproxima-se devagar.
O que ela estava sentindo caberia nos seus dias? Como olhar com outros olhos para o mundo?
Naquela noite não conseguiu dormir. As perguntas eram muitas e as respostas simplesmente não existiam.
Um calafrio percorreu seu corpo. Seria somente bondade?
Uma vontade intensa e estranha de "dar colo".
Com o coração apertado e um pouco de espanto, adormeceu. Um sono leve e interrompido várias vezes durante a noite.
Acordou com uma sensação de vazio. Teria sido somente piedade e nada mais? Era preciso ir além das palavras, dos olhares, dos sentidos...
(Lia Iksonaj)

sexta-feira, 23 de março de 2007

Fragilidade

Somos tão frágeis que, se pararmos para pensar somos quase um sopro. Basta um estalar de dedos de Deus, e deixamos de existir. Sinto-me fragilizada com o simples pensamento de que posso perder alguém que amo. Perder no sentido de deixar de existir. Às vezes gostaria de sofrer no lugar das pessoas que amo, para poupá-las... Mas não posso. Então, farei com que elas sofram menos, estando por perto e dando amor... tentando fazer com que tanta fragilidade tenha uma certa força, e possa transcender para a vida!
(Lia Iksonaj)

quinta-feira, 22 de março de 2007

O Vestido Branco

Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco. E seria de gaze. Era um desejo intenso e lúcido. Acho que era a minha inocência que nunca parou. Alguns, bem sei, já me disseram, me acham perigosa.
Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou.
Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E têm um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto falta. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
(Clarice Lispector – 1968)

quarta-feira, 21 de março de 2007

Sangue em Flor

Um homem jamais entenderá a alma de uma mulher. Como poderia ver dentro de seus olhos, que enquanto conversam sobre diversos assuntos, ela jorra em sangue vivo?
Foi assim naquele dia. Ela acordou sangrando muito e se sentiu mais mulher do que de costume.
Parecia estar tudo docemente planejado no seu íntimo, e ela viu tudo se concretizando aos poucos.
No fundo, ela já intuía o que iria acontecer e, de súbito uma sensação de cumplicidade com sua própria intuição a preencheu naquele momento, era um doce pretexto.
Como poderia definir o que sentiu e o que sucedeu nas próximas horas? Com a alma aberta e o doce frescor abstrato nos olhares...sangue em flor...

(Lia Iksonaj)